quarta-feira, 24 de setembro de 2008

João Cabral de Melo


Jo�o Cabral de Melo Neto nasceu na cidade de Recife - PE, no dia 09 de janeiro de 1920, na rua da Jaqueira (depois Leonardo Cavalcanti), segundo filho de Luiz Ant�nio Cabral de Melo e de Carmem Carneiro-Le�o Cabral de Melo. Primo, pelo lado paterno, de Manuel Bandeira e, pelo lado materno, de Gilberto Freyre. Passa a inf�ncia em engenhos de a��car. Primeiro no Po�o do Aleixo, em S�o Louren�o da Mata, e depois nos engenhos Pacoval e Dois Irm�os, no munic�pio de Moreno.

Em 1930, com a mudan�a da fam�lia para Recife, inicia o curso prim�rio no Col�gio Marista. Jo�o Cabral era um amante do futebol, tendo sido campe�o juvenil pelo Santa Cruz Futebol Clube em 1935.

Foi na Associa��o Comercial de Pernambuco, em 1937, que obteve seu primeiro emprego, tendo depois trabalhado no Departamento de Estat�stica do Estado. J� com 18 anos, come�a a freq�entar a roda liter�ria do Caf� Lafayette, que se re�ne em volta de Willy Lewin e do pintor Vicente do Rego Monteiro, que regressara de Paris por causa da guerra.

Em 1940 viaja com a fam�lia para o Rio de Janeiro, onde conhece Murilo Mendes. Esse o apresenta a Carlos Drummond de Andrade e ao c�rculo de intelectuais que se reunia no consult�rio de Jorge de Lima. No ano seguinte, participa do Congresso de Poesia do Recife, ocasi�o em que apresenta suas Considera��es sobre o poeta dormindo.

1942 marca a publica��o de seu primeiro livro, Pedra do Sono. Em novembro viaja, por terra, para o Rio de Janeiro. Convocado para servir � For�a Expedicion�ria Brasileira (FEB), � dispensado por motivo de sa�de. Mas permanece no Rio, sendo aprovado em concurso e nomeado Assistente de Sele��o do DASP (Departamento de Administra��o do Servi�o P�blico). Freq�enta, ent�o, os intelectuais que se reuniam no Caf� Amarelinho e Caf� Vermelhinho, no Centro do Rio de Janeiro. Publica Os tr�s mal-amados na Revista do Brasil.

O engenheiro � publicado em 1945, em edi��o custeada por Augusto Frederico Schmidt. Faz concurso para a carreira diplom�tica, para a qual � nomeado em dezembro. Come�a a trabalhar em 1946, no Departamento Cultural do Itamaraty, depois no Departamento Pol�tico e, posteriormente, na comiss�o de Organismos Internacionais. Em fevereiro, casa-se com Stella Maria Barbosa de Oliveira, no Rio de Janeiro. Em dezembro, nasce seu primeiro filho, Rodrigo.

� removido, em 1947, para o Consulado Geral em Barcelona, como vice-c�nsul. Adquire uma pequena tipografia artesanal, com a qual publica livros de poetas brasileiros e espanh�is. Nessa prensa manual imprime Psicologia da composi��o. Nos dois anos seguintes ganha dois filhos: In�s e Luiz, respectivamente. Residindo na Catalunha, escreve seu ensaio sobre Joan Mir�, cujo est�dio freq�enta. Mir� faz publicar o ensaio com texto em portugu�s, com suas primeiras gravuras em madeira.

Removido para o Consulado Geral em Londres, em 1950, publica O c�o sem plumas. Dois anos depois retorna ao Brasil para responder por inqu�rito onde � acusado de subvers�o. Escreve o livro O rio, em 1953, com o qual recebe o Pr�mio Jos� de Anchieta do IV Centen�rio de S�o Paulo (em 1954). � colocado em disponibilidade pelo Itamaraty, sem rendimentos, enquanto responde ao inqu�rito, per�odo em que trabalha como secret�rio de reda��o do Jornal A Vanguarda, dirigido por Joel Silveira. Arquivado o inqu�rito policial, a pedido do promotor p�blico, vai para Pernambuco com a fam�lia. L�, � recebido em sess�o solene pela C�mara Municipal do Recife.

Em 1954 � convidado a participar do Congresso Internacional de Escritores, em S�o Paulo. Participa tamb�m do Congresso Brasileiro de Poesia, reunido na mesma �poca. A Editora Orfeu publica seus Poemas Reunidos. Reintegrado � carreira diplom�tica pelo Supremo Tribunal Federal, passa a trabalhar no Departamento Cultural do Itamaraty.

Duas alegrias em 1955: o nascimento de sua filha Isabel e o recebimento do Pr�mio Olavo Bilac da Academia Brasileira de Letras. A Editora Jos� Olympio publica, em 1956, Duas �guas, volume que re�ne seus livros anteriores e os in�ditos: Morte e vida severina, Paisagens com figuras e Uma faca s� l�mina. Removido para Barcelona, como c�nsul adjunto, vai com a miss�o de fazer pesquisas hist�ricas no Arquivo das �ndias de Sevilha, onde passa a residir.

Em 1958 � removido para o Consulado Geral em Marselha. Recebe o pr�mio de melhor autor no Festival de Teatro do Estudante, realizado no Recife. Publica em Lisboa seu livro Quaderna, em 1960. � removido para Madri, como primeiro secret�rio da embaixada. Publica, em Madri, Dois parlamentos.

Em 1961 � nomeado chefe de gabinete do ministro da Agricultura, Romero Cabral da Costa, e passa a residir em Bras�lia. Com o fim do governo J�nio Quadros, poucos meses depois, � removido outra vez para a embaixada em Madri. A Editora do Autor, de Rubem Braga e Fernando Sabino, publica Terceira feira, livro que re�ne Quaderna, Dois parlamentos, ainda in�ditos no Brasil, e um novo livro: Serial.

Com a mudan�a do consulado brasileiro de C�diz para Sevilha, Jo�o Cabral muda-se para essa cidade, onde reside pela segunda vez. Continuando seu vai-e-vem pelo mundo, em 1964 � removido como conselheiro para a Delega��o do Brasil junto �s Na��es Unidas, em Genebra. Nesse ano nasce seu quinto filho, Jo�o.

Como ministro conselheiro, em 1966, muda-se para Berna. O Teatro da Universidade Cat�lica de S�o Paulo produz o auto Morte e Vida Severina, com m�sica de Chico Buarque de Holanda, primeiro encenado em v�rias cidades brasileiras e depois no Festival de Nancy, no Th�atre des Nations, em Paris e, posteriormente, em Lisboa, Coimbra e Porto. Em Nancy recebe o pr�mio de Melhor Autor Vivo do Festival. Publica A educa��o pela pedra, que recebe os pr�mios Jabuti; da Uni�o de Escritores de S�o Paulo; Luisa Cl�udio de Souza, do Pen Club; e o pr�mio do Instituto Nacional do Livro. � designado pelo Itamaraty para representar o Brasil na Bienal de Knock-le-Zontew, na B�lgica.

1967 marca sua volta a Barcelona, como c�nsul geral. No ano seguinte � publicada a primeira edi��o de Poesias completas. � eleito, em 15 de agosto de 1968, para a Academia Brasileira de Letras na vaga de Assis Chateaubriand. � recebido em sess�o solene pela Assembl�ia Legislativa de Pernambuco como membro do Conselho Deliberativo da Sociedade Brasileira de Autores Teatrais (SBAT).

Toma posse na Academia em 06 de maio de 1969, na cadeira n�mero 6, sendo recebido por Jos� Am�rico de Almeida. A Companhia Paulo Autran encena Morte e vida severina em diversas cidades do Brasil. � removido para a embaixada de Assun��o, no Paraguai, como ministro conselheiro. Torna-se membro da Hispania Society of America e recebe a comenda da Ordem de M�rito Pernambucano.

Ap�s tr�s anos em Assun��o, � nomeado embaixador em Dacar, no Senegal, cargo que exerce cumulativamente com o de embaixador da Maurit�nia, no Mali e na Gin�-Conakry.

Em 1974 � agraciado com a Gr�-Cruz da Ordem de Rio Branco. No ano seguinte publica Museu de Tudo, que recebe o Grande Pr�mio de Cr�tica da Associa��o Paulista de Cr�ticos de Arte. � agraciado com a Medalha de Humanidades do Nordeste.

Em 1976 � condecorado Grande Oficial da Ordem do M�rito do Senegal e, em 1979, como Grande Oficial da Ordem do Le�o do Senegal. � nomeado embaixador em Quito, Equador e publica A escola das facas.

A convite do governador de Pernambuco, vai a Recife (em 1980) para fazer o discurso inaugural da Ordem do M�rito de Guararapes, sendo condecorado com a Gr�-Cruz da Ordem. Ali � inaugurada uma exposi��o bibliogr�fica de sua obra, no Pal�cio do Governo de Pernambuco, organizada por Zila Mamede. Recebe a Comenda do M�rito Aeron�utico e a Gr�-Cruz do Equador.

No ano seguinte vai para Honduras, como embaixador. Publica a antologia Poesia cr�tica.

Em 1982 � agraciado com o t�tulo de Doutor Honoris Causa pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Vai para a cidade do Porto, em Portugal, como c�nsul geral. Recebe o Pr�mio Golfinho de Ouro do Estado do Rio de Janeiro. Publica Auto do frade, escrito em Tegucigalpa.

Ganha o Pr�mio Moinho Recife, em 1984 e, no ano seguinte, publica os poemas de Agrestes. Nesse livro h� uma sess�o dedicada � morte ("A indesejada das gentes"). Em 1986 � agraciado com o t�tulo de Doutor Honoris Causa pela Universidade Federal de Pernambuco. Sua esposa, Stella Maria, falece no Rio de Janeiro. Jo�o Cabral reassume o Consulado Geral no Porto. Casa-se em segundas n�pcias com a poeta Marly de Oliveira.

Em 1987 publica Crime na Calle Relator, poemas narrativos. Recebe o pr�mio da Uni�o Brasileira de Escritores. � removido para o Rio de Janeiro.

Em Recife, no ano de 1988, lan�a sua antologia Poemas pernambucanos. Publica, tamb�m, o segundo volume de poesias completas: Museu de tudo e depois. Recebe o Pr�mio da Bienal Nestl� de Literatura pelo conjunto da obra, e o Pr�mio Lily de Carvalho da ABCL, Rio de Janeiro.

Aposenta-se como embaixador em 1990 e publica Sevilha andando. � eleito para a Academia Pernambucana de Letras, da qual havia recebido, anos antes, a medalha Carneiro Vilela. Recebe os seguintes pr�mios: Criadores de Cultura da Prefeitura do Recife, Luis de Cam�es (concedido conjuntamente pelos governos de Portugal e do Brasil), em Lisboa. � condecorado com a Gr�-Cruz da Ordem do M�rito Judici�rio e do Trabalho. A Faculdade Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro publica Primeiros Poemas.

Outros pr�mios: Pedro Nava (1991) pelo livro Sevilha andando; Casa das Am�ricas, concedido pelo Estado de S�o Paulo (1992); e tamb�m nesse ano o Neustadt International Prize for Literature, da Universidade de Oklahoma. Viaja a Sevilha para representar o presidente da Rep�blica nas comemora��es do dia 7 de Setembro, que tiveram lugar na Exposi��o do IV Centen�rio da Descoberta da Am�rica. No Pavilh�o do Brasil, foi distribu�da sua antologia Poemas sevilhanos, em edi��o especial. No Rio de Janeiro, na Casa da Espanha, recebe do embaixador espanhol a Gr�-Cruz da Ordem de Isabel, a Cat�lica.

Em 1993 recebe o Pr�mio Jabuti, institu�do pela C�mara Brasileira do Livro.

Jo�o Cabral era atormentado por uma dor de cabe�a que n�o o deixava de forma alguma. Ao saber, anos atr�s, que sofria de uma doen�a degenerativa incur�vel, que faria sua vis�o desaparecer aos poucos, o poeta anunciou que ia parar de escrever. J� em 1990, com a finalidade de ajud�-lo a vencer os males f�sicos e a depress�o, Marly, sua segunda esposa, passa a escrever alguns textos tidos como de autoria do biografado. Conforme declara��es de amigos, escreveu o discurso de agradecimento feito pelo autor ao receber o Pr�mio Luis de Cam�es, considerado o mais importante pr�mio concedido a escritores da l�ngua portuguesa, entre outros. Foi a forma encontrada para tentar tir�-lo do estado depressivo em que se encontrava. Como n�o admirava a m�sica, o autor foi perdendo tamb�m a vontade de falar ("N�o tenho muito o que dizer", argumentava). Era, sem d�vida, o nosso mais forte concorrente ao pr�mio Nobel, com diversas indica��es dos mais variados segmentos de nossa sociedade.

Transcrevemos abaixo o discurso proferido por Arnaldo Niskier, presidente da Academia Brasileira de Letras, por ocasi�o da morte do poeta, em 09/10/99:

"Adeus a Jo�o Cabral"

"Severino retirante,
deixe agora que lhe diga:
eu n�o sei bem a resposta
da pergunta que fazia,
se n�o vale mais saltar
fora da ponte e da vida;
nem conhe�o essa resposta,
se quer mesmo que lhe diga;
� dif�cil defender,
s� com palavras, a vida,
ainda mais quando ela �
esta que v�, Severina;
mas se responder n�o pude
� pergunta que fazia
ela, a vida, a respondeu
com sua presen�a viva."

Vida que foi para Jo�o Cabral uma bonita e ao mesmo tempo sofrida obra de engenharia po�tica, como demonstrou no seu inesquec�vel Morte e Vida Severina.

Aqui est� o poeta Jo�o Cabral de Melo Neto, presente pela �ltima vez na Academia Brasileira de Letras, de que foi, por 30 anos, uma das figuras fundamentais. Aos 79 anos, apaga-se a voz de significa��o universal, com a singularidade do seu verso, tantas vezes lembrado para a gl�ria do Pr�mio Nobel de Literatura.

A nossa dor, que � tamb�m a da sua companheira Marly de Oliveira e dos seus filhos e demais parentes, n�o apaga da nossa mem�ria a convic��o de que foi ele um dos maiores poetas brasileiros de todos os tempos - o poeta da raz�o - que jamais esqueceu, mesmo nos 40 anos de vida diplom�tica, as suas ra�zes pernambucanas. O homem que soube desenhar em versos c�lidos a saga do retirante nordestino, quando ainda n�o havia passado dos 35 anos de idade.

Jo�o Cabral, o poeta Jo�o, que n�o se conformava em perfumar a flor, � o mesmo que escreveu aos 22 anos o livro Pedra do Sono, para depois nos brindar, entre outros, com O engenheiro, O c�o sem plumas, Poesias completas, A educa��o pela pedra e o antol�gico Morte e Vida Severina, com vers�es no teatro e na m�dia eletr�nica.

Fecham-se os olhos cansados do poeta Jo�o e n�o conseguimos realizar o sonho que agora desvendo: ver o Am�rica Futebol Clube voltar aos seus dias de gl�ria. Nem o daqui do Rio, nem aquele que era a sua verdadeira paix�o: o Am�rica do Recife.

Quando preparava com ele a Cabraliana, que foi o seu primeiro audiolivro, ouvi fant�sticas hist�rias da vida diplom�tica, especialmente dos tempos de Portugal, Espanha e Marrocos, al�m de nele reconhecer um orgulho especial pela fam�lia, parente que foi de grandes escritores brasileiros, como Gilberto Freyre, Manuel Bandeira, Mauro Mota e Ant�nio de Moraes e Silva, o famoso Moraes do Dicion�rio de L�ngua Portuguesa. Parece que era herdeiro, no seu jeito t�o humilde e cativante, de uma gen�tica liter�ria original�ssima.

� compreens�vel a nossa consterna��o. Enquanto a sa�de permitiu, honrou esta casa com a sua assiduidade e o seu sentimento da mais pura cordialidade. Sofrendo agora com o seu sil�ncio, curvamo-nos diante do grande poeta, para afirmar que a Academia sempre o ter� presente, com a saudade e a admira��o de todos os seus confrades.

Descanse em paz, poeta Jo�o. A sua presen�a jamais deixar� de estar conosco. Teremos o consolo da sua poesia imortal."

Dados obtidos nos livros do autor, em "Obra Completa", organizada por Marly de Oliveira com assist�ncia do autor e em sites da Internet.

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